Eis uma análise que um colaborador fez do seriado que anda deveras mais interessante e profundo do que qualquer filme dos Vingadores: Jessica Jones.
Primeiramente
gostaria de dizer que faz muitos anos que não leio quadrinhos mensais,
como X-Men, Vingadores, etc. Desde que li Watchmen, tenho dado
preferência a quadrinhos mais adultos. Jessica Jones, apesar de ter essa pegada mais
adulta, foi uma revista que não acompanhei e nem sabia da existência da
personagem até ela aparecer no Netflix, ou seja, embarquei na história
da série como marinheiro de primeira viagem, sem ter como comparar com a
história exibida nos quadrinhos.
Eu estava realmente empolgado para
assistir essa série, já que achei Demolidor muito bom e acredito que a
parceria Marvel/Netflix irá realizar o sonhos de muitos nerds por aí.
A
critério de evitar spoilers, falarei apenas do primeiro episódio e
alguns poucos detalhes aqui nesta análise, além de mostrar as
influências da série. Neste primeiro episódio somos apresentados à
Jessica Jones, uma detetive particular com superforça, decadente,
viciada em bebidas alcoólicas e cheia de neuras por causa de seu passado
obscuro. Pouco a pouco vamos descobrindo que neste passado,
eventualmente ela se envolveu com um homem chamado Kilgrave, que possui
a habilidade de controlar a mente das pessoas.
Aparentemente, ele
utilizava esta habilidade para controlar Jessica e fazer com que ela
cometesse atos contra sua vontade, deixando-a traumatizada, mas o motivo
exato do trauma não fica muito claro no primeiro episódio e vai se
desenvolvendo ao longo da série.
Faz pudim. |
Posso
adiantar que Kilgrave é o personagem que movimenta a série, sendo um
vilão envolvente, com várias camadas e em alguns momentos você vai até
começar a entendê-lo. Não é o tipo de vilão cartesiano cujo propósito é
apenas dominar o mundo, não meus caros, Kilgrave é o que é pelo simples
fato de ser quem é.
Acompanhando a série, entende-se que ele possui
muitos tons cinzentos e que sua maldade é uma conseqüência de seu poder,
ou seja, ele é um prisioneiro de si mesmo e acaba agindo ao seu favor
pelo simples fato de ter poder para tal. Sendo assim, o ator David
Tennant merece uma menção honrosa aqui no texto, por conseguir expressar
essa dualidade no personagem sem ser afetado demais.
Arrogante engomadinho. |
Krysten
Ritter também está ok atuando como Jessica Jones, mas acho a atuação
dela meio apagada. Talvez isso ocorra por ser a primeira vez que ela
atua como personagem principal de uma história, já que em outras
atuações ela era personagem secundária e é impossível não lembrar dela
como a namorada de Jesse Pinkman em Breaking Bad. A moça tem potencial e
convence em mostrar as neuroses e manias de Jessica, mas tem algumas
vezes que sua expressão facial fica vazia, aquela carinha de paisagem
típica de modelos em propaganda. Uma direção melhor resolveria isso
fácil, mas uma série possui muitos diretores diferentes, que trabalham
em episódios específicos, o que acaba dando resultados variáveis para o
todo da obra.
Po-po-poker face... |
As
cores utilizadas em cena também são bem interessantes, principalmente o
roxo, o violeta e toda a paleta de mistura entre azul e vermelho. Dessa
maneira, você sempre sabe que Kilgrave vai entrar em cena quando algum
detalhe dessas cores aparece em primeiro plano. Seja um carrinho, uma
parede ou até mesmo uma mudança de filtro no cena inteira, se o roxo ou
violeta aparecer, pode ter certeza que o vilão vai dar o ar de sua graça
em algum momento. Isso é divertido no começo, mas depois vai ficando
óbvio demais.
Outra coisa legal é ver como outros personagens da Marvel
são inseridos na história, algumas vezes como meras conversas no meio da
rua, outras vezes aparecendo de fato na trama.
É
muito bacana também como eles inseriram o Luke Cage no universo Marvel
das série, já que ele terá série própria num futuro próximo. Isso mostra
o quanto a Marvel está pensando na longevidade tanto das séries, quanto
dos filmes no cinema, inclusive transitando ideias entre os dois
formatos.
Isso parece que está dando mais certo na Netflix do que na
série "Agentes da S.H.I.E.L.D.", onde informações sobre outros
personagens da Marvel parecem estar ali apenas para alimentar futuros
filmes, deixando tudo meio forçado, fora a fórmula do caso da semana,
que na minha opinião é péssima.
No
geral, achei Jessica Jones bacana, mas algo ali me incomodava, uma
sensação de que já havia visto aquela história antes, muito em parte
pelas referências da literatura noir. Ou seja, temos uma detetive
fracassada (check), antissocial (check), vivendo em local decadente
(check), adepta de uma vida regada à álcool (check) e que quase nunca
ganha dinheiro e quando consegue, o recusa ou o gasta em algo supérfluo
(check).
Isso me fez lembrar muito de um outro detetive chamado Philip
Marlowe, criado por Raymond Chandler no auge da literatura noir e das
pulp fictions.
Philip
é um detetive canastrão de primeira linha e só se envolve com os tipos
mais estranhos da sociedade. Também vive à beira do fracasso e nunca
ganha dinheiro o suficiente para pagar as contas. A literatura noir era
cheia de personagens durões, mulheres fatais, lugares sujos e um código
de conduta moral muito duvidoso por parte dos personagens.
Caso vocês
tenham visto ou lido Sin City do Frank Miller, terão uma noção de como é
a ambientação desse tipo de história. Em Jessica Jones vemos muito
desses elementos, há pouca criatividade com relação a isso e posso
apostar que se outra obra de detetive surgir nas telas nos próximos
anos, terá esses mesmos elementos como fórmula. Claro que seguir o arroz
com feijão facilita o trabalho de colocar um produto novo para o
público, mas ousar de vez em quando não faz mal nenhum.
Isso
me faz lembrar de como Batman conseguiu utilizar esses mesmos recursos
Noir e mesmo assim ter alguns pontos muito criativos. Sim temos um
detetive antissocial, playboy enquanto Bruce Wayne, vivendo em uma
cidade decadente e convivendo com a escória da sociedade. A diferença
aqui está nos detalhes, já que Bruce Wayne nunca deixa de ser o Batman,
mesmo em eventos sociais ele busca pistas de seus inimigos e acaba
utilizando recursos da Wayne Enterprises para alimentar o arsenal de seu
alter ego.
Isso seria um grande erro na vida real, já que a lição
número um do bom empreendedor é saber diferenciar o dinheiro da empresa
do dinheiro pessoal, Eike Batista está aí e não me deixa mentir. Outro
detalhe é que no caso do Batman, quase todos seus inimigos só existem em
função dele, como é o caso do Coringa.
Sem um, não haveria o outro e
essa relação quase fraternal (de uma maneira bem sórdida) faz das
histórias do Batman conversarem com o estilo noir, mas de uma maneira
única e interessante.
Por
outra vez, esse relacionamento entre protagonista e antagonista que
vivem um pelo outro me lembram mais um outro detetive chamado Sherlock
Holmes. Mais uma vez aqui temos um antissocial, usuário de
psicotrópicos, que convive com a nata da malandragem e que tem como
antagonista o Moriarty.
Um praticamente vivia pelo outro, sendo que o
vilão era o único capaz de desafiar a genialidade de Sherlock. Isso o
frustrava, mas ao mesmo tempo o incentivava a ser cada vez mais sagaz,
tornando o relacionamento quase que uma diversão nessa perseguição
eterna de gato e rato.
Sendo
assim, vejam como os elementos Noir influenciaram a criação de Jéssica
Jones e como o relacionamento de existência antagonista-protagonista
encaixam bem aqui. Jessica não vive sem Kilgrave e vice versa.
Como
primeira temporada, essa relação deu muito certo pelo vilão ser
sensacional, mas a fórmula é muito parecida inclusive com a série do
Demolidor e seu embate contra o Rei do Crime. Espero muitas surpresas
para as próximas temporadas de ambas as séries, com surgimento de mais
vilões e mais heróis. Se continuar apenas nessa fórmula
antagonista-protagonista, creio que muito em breve abandonarei as séries
de heróis assim como fiz com os quadrinhos.
Tender
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