quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

 A rabanada de Dorotéia

por Hal
 
O pai suspira enquanto olha o menino montando o trenzinho no tapete.
Do outro lado jaz o sogro, estirado no sofá com uma garrafa de cidra nas mãos. Pelo canto da sala é possível ver Dorotéia conversando com a mãe animadamente.
Um fragmento de pensamento corta sua mente cansada:

- Dorotéia já foi tão bela, agora seu encanto se resume ao porco à pururuca e a rabanada, humm! que rabanada!

 Com os olhos cansando ele estica um pouco mais o pensamento:
- Esse dia está horrível, mas pelo menos vou comer a rabanada de Dorotéia!

Focando agora na mesa da sala ele observa incrédulo alguns presentes e volta aos devaneios de um homem de meia idade:
- A mãe de Dorotéia nos deu outra imagem de santo, dessas que ela compra quando vai para Itália. Que ótimo! já tenho quase todos os personagens bíblicos numa caixa na garagem. Esse parece ser são Pedro, se for tá repetido. (suspiro)

- Que lastimável! – Ele solta a frase sem pensar.
Da cozinha Dorotéia pergunta:
- Que Amor???
Ele rapidamente disfarça:
- Nada. Nada...

A voz doce de Dorotéia lhe devolve o foco perdido nos pensamentos soltos:

- Foda-se essa merda! É Natal! Quero minha rabanada!

Ele comeria todo dia, mas o combinado com Dorotéia é claro: Uma vez por ano. Presente de Natal.

Franzindo os lábios ele começa todo um planejamento mental:

- Está tarde. Vou colocar o Eduardinho na cama. Se ele quiser que leve o trenzinho. Meu sogro pode ser um problema. Não vou esperar ele ficar bom. Dou lhe um café forte e despacho os dois de uma vez.

Ele pensa mais um pouco:
- Tenho que ser gentil. Agir com sutileza ou Doroteia vai ficar puta! E ai nada de rabanada!

La da cozinha um barulho de louça sendo lavada...
- Isso! – Ele sussurra.

Nada mais importa! Esperei o ano todo por isso! Fui bom pai, bom marido! Mereço a rabanada de Dorotéia!  Ela sempre reluta, mas nunca nega!

Ele então pega o menino pelo braço que resiste um pouco e o leva para o quarto com trenzinho e tudo. Na volta, levanta o sogro em direção a cozinha, que protesta balbuciando algo enquanto é empurrado.

Na cozinha, Dorotéia e sua mãe estão guardando os últimos pratos. O Sogro sentado na ponta da mesa é servido com uma grande xícara de café.

Uma euforia passa pela pelo corpo antes desanimado do pobre trabalhador, no mesmo momento pensamentos vão ganhando forma:

-  Foi um ano desgraçado, mas a rabanada de Dorotéia vale pena! Mais dez minutos e eles podem ir embora!
Ótimo não tenho mais idade pra ficar esperando mesmo! Antigamente me deliciava com a rabanada lá pelas quatro da manhã, mas hoje se der duas horas já estou dormindo.

Na parede da cozinha o relógio marca uma e cinqüenta.


FELIZ NATAL MOTHERFUCKERS!


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